terça-feira, 30 de setembro de 2025

Partículas em órbita

 



Somos o rasto do que não se toca,
linhas paralelas com sede de curva,
um sopro que roça a pele do instante
sem nunca se deter.


Milímetros separam-nos,
mas é o tempo que nos empurra —
esse tempo sem eixo,
sem repouso, sem fim.


Tu és o vento que quase me encontra,
eu sou a pedra que quase se move.
E no quase, somos tudo:
possibilidade, vertigem,
o mapa de um mundo que não se fecha.


Se um dia colidirmos,
seremos poeira de estrelas,
não mais gesto,
mas memória do gesto.


O nosso lugar é o entre,
o intervalo,
o silêncio entre dois astros em fuga.





BL

30.09.25








sábado, 16 de agosto de 2025

Velas

 





Há memórias que nunca se acendem.
Velas esquecidas num canto.
Outras ardem baixinho
em poças de água
onde o céu se afoga
em silêncio.





BL

16.08.25






terça-feira, 12 de agosto de 2025

Claridade de dentro

 





A saudade
com sabor a terra molhada
secava devagar
como pedra que chora o seu musgo
resistindo ao calor da manhã.
 
O vento tocava as folhas com ternura
e a saudade

aquela saudade enterrada na pele
abria os olhos à luz.
 
Havia claridade
feita de sombra fina
de raízes que brilham por dentro
quando o tempo as chama.
 
No sabor da terra molhada
ficavam restos de passos
e promessas germinadas

como se a ausência florescesse.





BL
12.08.25





quarta-feira, 6 de agosto de 2025

A quem já pisou este chão

 




Ainda andas por aí?


Hoje

passaram passos leves

mas nenhum sabia o teu nome.

 

Deixaste um traço numa pedra

no outro dia.


Pensei que eras tu.

Era só sombra.

Mas esperei

mesmo assim.

 

Continuo a escrever.


Continuo a amar-te

como se a árvore fosse a nossa casa comum.


Se me tocares no ombro

reconhecerei o peso exato da tua saudade.




BL

06.08.25





terça-feira, 5 de agosto de 2025

Rio de ecos

 

 



Desenho em traços sem nexo

um jardim de afetos

que em prosas e versos

e em esquinas perdidas

me incendeia as veias.

 

Em mim flui ainda

um rio

que em morosos movimentos

se solta de cais e amarras

e se dispersa por folhas brancas

onde acendo velas

e suspendo boias

visíveis nas vidraças das janelas.

 

Enegrece o azul

num tempo de imagens e de enigmas

que se refletem em espelhos

presos na moldura de nuvens

onde o horizonte sombreia.

 

E eu

sentada em degraus de pedra

desdobro a vida que passa num leito de ecos

pela noite branca.




BL

20.07.2010





Ser aparência

 


Fica-me a aparência de ser,

imagem

do que não sinto,

do que não sei.

 

Experiência de uma vida

entre ausências

repartida,

esquecida.

 

Despeço-me

de mim,

sem que me tenha encontrado,

culpada

do que não fiz,

do que não procurei.

 

Pedaços

de sonho,

de ilusão.

 

O que me fará correr?

Por que hei de sorrir?

 

B.L.

09.02.90








terça-feira, 24 de junho de 2025

O que a poesia também pode ser

 





Poesia é estar contigo,

é dar-te o beijo que não me pediste,

dizer-te as saudades que sinto,

a meio do dia.


É a flor 

que está para além das palavras,

o silêncio cúmplice

de um pôr do sol.


É cantar com os melros

e dançar com as cores

que pintam o meu jardim.


É o ritmo melódico

dos afetos,

a cadência harmoniosa da solidariedade.







BL
21.03.2006