sábado, 16 de agosto de 2025

Velas

 





Há memórias que nunca se acendem.
Velas esquecidas num canto.
Outras ardem baixinho
em poças de água
onde o céu se afoga
em silêncio.





BL

16.08.25






terça-feira, 12 de agosto de 2025

Claridade de dentro

 





A saudade
com sabor a terra molhada
secava devagar
como pedra que chora o seu musgo
resistindo ao calor da manhã.
 
O vento tocava as folhas com ternura
e a saudade

aquela saudade enterrada na pele
abria os olhos à luz.
 
Havia claridade
feita de sombra fina
de raízes que brilham por dentro
quando o tempo as chama.
 
No sabor da terra molhada
ficavam restos de passos
e promessas germinadas

como se a ausência florescesse.





BL
12.08.25





quarta-feira, 6 de agosto de 2025

A quem já pisou este chão

 




Ainda andas por aí?


Hoje

passaram passos leves

mas nenhum sabia o teu nome.

 

Deixaste um traço numa pedra

no outro dia.


Pensei que eras tu.

Era só sombra.

Mas esperei

mesmo assim.

 

Continuo a escrever.


Continuo a amar-te

como se a árvore fosse a nossa casa comum.


Se me tocares no ombro

reconhecerei o peso exato da tua saudade.




BL

06.08.25





terça-feira, 5 de agosto de 2025

Rio de ecos

 

 



Desenho em traços sem nexo

um jardim de afetos

que em prosas e versos

e em esquinas perdidas

me incendeia as veias.

 

Em mim flui ainda

um rio

que em morosos movimentos

se solta de cais e amarras

e se dispersa por folhas brancas

onde acendo velas

e suspendo boias

visíveis nas vidraças das janelas.

 

Enegrece o azul

num tempo de imagens e de enigmas

que se refletem em espelhos

presos na moldura de nuvens

onde o horizonte sombreia.

 

E eu

sentada em degraus de pedra

desdobro a vida que passa num leito de ecos

pela noite branca.




BL

20.07.2010





Ser aparência

 


Fica-me a aparência de ser,

imagem

do que não sinto,

do que não sei.

 

Experiência de uma vida

entre ausências

repartida,

esquecida.

 

Despeço-me

de mim,

sem que me tenha encontrado,

culpada

do que não fiz,

do que não procurei.

 

Pedaços

de sonho,

de ilusão.

 

O que me fará correr?

Por que hei de sorrir?

 

B.L.

09.02.90








terça-feira, 24 de junho de 2025

O que a poesia também pode ser

 





Poesia é estar contigo,

é dar-te o beijo que não me pediste,

dizer-te as saudades que sinto,

a meio do dia.


É a flor 

que está para além das palavras,

o silêncio cúmplice

de um pôr do sol.


É cantar com os melros

e dançar com as cores

que pintam o meu jardim.


É o ritmo melódico

dos afetos,

a cadência harmoniosa da solidariedade.







BL
21.03.2006







sábado, 26 de abril de 2025

Colheitas de amor

 







“Mãe, fala-me de mim.

Gosto tanto que me fales de mim!...”

E foram lampejos

de risos

e de lágrimas.

Searas de ternura

em campos de areia e de neve.

Colheitas de amor

e saudade.

Doçura de rostos,

passinhos trémulos,

gestos sem norma.

“Porquê, Mãe?

Explica-me...”

Procuro a palavra,

a definição.

É preciso clarificar

a situação.

“Cuidado, mãe!

Não me deixes cair!

Nunca, mãe…”


B.L.

15.11.1989