sábado, 15 de novembro de 2025

Poema fragmentado

 






O candeeiro hesita
a luz não quer ferir
paredes tímidas
olhos sem fundo.

O sofá protesta
memória pesa
risos de verão
descalços perdidos.

Fotografias tortas
dentes de papel
testemunhas mudas
vida que não é minha.

A madeira fala
eu escuto
a casa respira
eu permaneço.

O portão geme
vento chama
folhas guardam passos
caminho nunca feito.

Eu fico
sempre fico
na dobra do tempo
lençóis esquecidos.

O silêncio denuncia
a casa sabe
as paredes sabem
o espelho trai.

Não há rosto
só sombra
talvez candeeiro
talvez eu.

Acolhido outrora
rejeitado agora
habito um eco
sou eco.




BL

15.11.25







sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Centelha na escuridão

 




Do silêncio nasce um abismo
onde o ser se interroga
e cada passo ecoa
como sombra que não se cala.

O tempo rasga a pele do instante
e revela o vazio que pulsa
um sopro de eternidade
que nunca se deixa tocar.

E no âmago da noite
[mesmo na escuridão mais densa]
há um clarão que insiste
em lembrar que somos finitude
mas também centelha.







BL
14.11.25





terça-feira, 11 de novembro de 2025

Na simplicidade das coisas

 





Escrevo-me no silêncio

como se cada verso fosse

a respiração lenta

de um dia frio.

 

Às vezes chama-me o sol

[chamamento de inverno]

como quem convida à contemplação

daquilo que é

sem adornos nem exigências.

 

Os braços nus das árvores sussurram

uma oração

como se fosse um trilho onde o silêncio

fala

 

e a beleza se revela

na simplicidade das coisas

em que o coração não tem medo de se mostrar.

 

 

 

 

BL

11.11.25







segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Quando o silêncio souber o nome das estrelas

 





Um dia

quando o tempo se dobrar sobre si mesmo
e os relógios forem apenas sombras no chão

hei de colher um sopro antigo
para acalmar os ventos do esquecimento.


Então
talvez compreenda os gestos que se perdem
nas margens da memória

e os olhos que choram
sem saber porquê.


Há coisas que morrem devagar
como a luz nas mãos de um cego
ou o voo que nunca chegou a ser
de um pássaro sonhado.




BL

27.10.25







domingo, 12 de outubro de 2025

Onde estás?

 


telhados
gente que passa
tu

 

passos entre pedras
longe
mas vejo-te

 

fico
suspensa

 

um toque no ombro
se vieres
levitamos

 

o fim
é só o começo
da rua





BL

12.10.25







terça-feira, 30 de setembro de 2025

Partículas em órbita

 



Somos o rasto do que não se toca,
linhas paralelas com sede de curva,
um sopro que roça a pele do instante
sem nunca se deter.


Milímetros separam-nos,
mas é o tempo que nos empurra —
esse tempo sem eixo,
sem repouso, sem fim.


Tu és o vento que quase me encontra,
eu sou a pedra que quase se move.
E no quase, somos tudo:
possibilidade, vertigem,
o mapa de um mundo que não se fecha.


Se um dia colidirmos,
seremos poeira de estrelas,
não mais gesto,
mas memória do gesto.


O nosso lugar é o entre,
o intervalo,
o silêncio entre dois astros em fuga.





BL

30.09.25








sábado, 16 de agosto de 2025

Velas

 





Há memórias que nunca se acendem.
Velas esquecidas num canto.
Outras ardem baixinho
em poças de água
onde o céu se afoga
em silêncio.





BL

16.08.25