sábado, 26 de abril de 2025

Colheitas de amor

 







“Mãe, fala-me de mim.

Gosto tanto que me fales de mim!...”

E foram lampejos

de risos

e de lágrimas.

Searas de ternura

em campos de areia e de neve.

Colheitas de amor

e saudade.

Doçura de rostos,

passinhos trémulos,

gestos sem norma.

“Porquê, Mãe?

Explica-me...”

Procuro a palavra,

a definição.

É preciso clarificar

a situação.

“Cuidado, mãe!

Não me deixes cair!

Nunca, mãe…”


B.L.

15.11.1989





domingo, 22 de agosto de 2021

A dor de um sonho ousado

 


Fere-me a certeza do imutável,

o fluir do quotidiano

sem certezas.

O medo de perder

o que ainda não obtive.


Dilui-se a força 

do querer,

o desejo

de acreditar.


Fica a dor

do sonho ousado,

do poente

em horizonte

avermelhado.


B. L.


quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Entre tempos







Em mim se entrelaçam todas as melodias do mundo
na trajetória de uma brisa que ilude as solidões
no véu de luz que transporta.

Cerro os meus olhos para entender
os silêncios
matizando as cores
repartindo as verdades entre as minhas folhas
entre os meus frutos
acompanhando o azul e o sol que lhes moldam as estradas.

Gravo nas palavras a fragilidade dos instantes
os vidros quebrados tocados pelo vento
sem saber como se sai
desta inaptidão da alma
onde a chuva me açoita
e grita
e sucumbe
quando articula o meu nome.

Sento-me na orla do tempo
como quem sopra memórias em dentes-de-leão
e invoca dias claros
para desfolhar a recontagem dos silêncios.

domingo, 12 de julho de 2020

No silêncio que me digo








Digo-me do silêncio das árvores
de um céu pintado de frutos e de cores que não chegaram
a amanhecer


de navios carregados de monólogos surdos
cúmplices dos sonhos
e das esperanças
que em cinzas caíram a meus pés
sussurrando vozes perdidas no cais


de esboços e representações
memórias de súplicas
e de soluços
irónicas sedas nos meus areais.


E no silêncio que me digo entendo
a interdita agonia das pétalas
e dos corais


a indefinível distância dos recantos
onde nasci onde morri
e hoje sou
um quase tudo
um quase nada
dentro de mim.




20.12.10


sábado, 11 de julho de 2020

Em (des)equilíbrio




Os meus passos perdem o equilíbrio
quando roídos pelo desequilíbrio dos dias
que apenas morrem
como se fossem pedras paridas por um poemário
em que o sol se deita quando nasce.


Pergunto-me pelos fios de luz das manhãs
pela maciez do rio que entrava pelo espelho


pergunto-me pelo dia ornado de laços
e sorrisos de natal
pelo dia em que o vento me possa trazer fitas de malmequeres
e o meu rosto não reflita
o sal invisível dos pedaços de palavras.


Pergunto-me pelo tempo
em que ainda venha a tempo de marcar encontro comigo
de me perguntar por mim mesma
e rasgar as grades prisioneiras dos medos
no reequilíbrio do gesto.



08.12.11



quarta-feira, 8 de julho de 2020

Ecos






Sopram da montanha
melodias feiticeiras,
ecos de vozes distantes.


Trazem-me as cores
de quentes horizontes
em madrugadas perdidas.


Acordam memórias de mim,
de caminhos verdejantes
que deixei para trás,
de castelos de nuvens
macias e brancas
e longínquas,
que não ousei tocar.


Ecos da voz contida,
que a dor adormecida
não pode, não quer apagar.



BL - 11.08.09

Do olhar que nos guardou o tempo





Ainda me cabe no olhar
a imensidão do mar
que nos guardou o tempo.

A idade não tem nome
nem habita na boca do vento.

Acendo a luz no meu corpo
e ofereço-te um coração antigo
pôr do sol rendido
ao abraço do mar.

Entardece.

Recolho o brilho das estrelas
no meu chão d’eternidades
assim como quem costura
uma teia de luz pura
na viagem das horas.

O verso cola-se à pele
e as palavras escorrem pelos dedos
devagar.

Entardece.

Mas ainda cabe no tempo
a imensidão do olhar
que nos guardou o mar.


BL