domingo, 12 de julho de 2020

No silêncio que me digo








Digo-me do silêncio das árvores
de um céu pintado de frutos e de cores que não chegaram
a amanhecer


de navios carregados de monólogos surdos
cúmplices dos sonhos
e das esperanças
que em cinzas caíram a meus pés
sussurrando vozes perdidas no cais


de esboços e representações
memórias de súplicas
e de soluços
irónicas sedas nos meus areais.


E no silêncio que me digo entendo
a interdita agonia das pétalas
e dos corais


a indefinível distância dos recantos
onde nasci onde morri
e hoje sou
um quase tudo
um quase nada
dentro de mim.




20.12.10


sábado, 11 de julho de 2020

Em (des)equilíbrio




Os meus passos perdem o equilíbrio
quando roídos pelo desequilíbrio dos dias
que apenas morrem
como se fossem pedras paridas por um poemário
em que o sol se deita quando nasce.


Pergunto-me pelos fios de luz das manhãs
pela maciez do rio que entrava pelo espelho


pergunto-me pelo dia ornado de laços
e sorrisos de natal
pelo dia em que o vento me possa trazer fitas de malmequeres
e o meu rosto não reflita
o sal invisível dos pedaços de palavras.


Pergunto-me pelo tempo
em que ainda venha a tempo de marcar encontro comigo
de me perguntar por mim mesma
e rasgar as grades prisioneiras dos medos
no reequilíbrio do gesto.



08.12.11



quarta-feira, 8 de julho de 2020

Ecos






Sopram da montanha
melodias feiticeiras,
ecos de vozes distantes.


Trazem-me as cores
de quentes horizontes
em madrugadas perdidas.


Acordam memórias de mim,
de caminhos verdejantes
que deixei para trás,
de castelos de nuvens
macias e brancas
e longínquas,
que não ousei tocar.


Ecos da voz contida,
que a dor adormecida
não pode, não quer apagar.



BL - 11.08.09

Do olhar que nos guardou o tempo





Ainda me cabe no olhar
a imensidão do mar
que nos guardou o tempo.

A idade não tem nome
nem habita na boca do vento.

Acendo a luz no meu corpo
e ofereço-te um coração antigo
pôr do sol rendido
ao abraço do mar.

Entardece.

Recolho o brilho das estrelas
no meu chão d’eternidades
assim como quem costura
uma teia de luz pura
na viagem das horas.

O verso cola-se à pele
e as palavras escorrem pelos dedos
devagar.

Entardece.

Mas ainda cabe no tempo
a imensidão do olhar
que nos guardou o mar.


BL



A recontagem dos silêncios







Multiplicam-se
as ondas de pontos de interrogação
que os teus monossílabos
fazem agitar.

Solto as pontas
de pressões
e tensões
presas ao fio quase invisível
de laços quentes
oscilantes
subjacentes à obliquidade dos olhares.

Tropeço em muros
e em cores
e aí reconstruo os caminhos.

Estarei cá,
sempre,
para a recontagem dos silêncios.


B. L.
25.10.2009